quinta-feira, 23 de junho de 2011

Madrugada

É noite e o inverno começou, está trazendo o sol fraco pela manhã e as madrugadas geladas sob os cobertores. É tudo ou nada, nessa corrida incessante por sensações nas doze horas de escuridão da cidade, é a sede que não cessa. E quer seja fora ou dentro de algum lugar qualquer, ela continua a acontecer dentro de você, com suspiros, desejos e sonhos. Seja onde for.
É final de junho e início de temporada. Temporada de shows, de férias, de cama e seca. Na hora em que se deixa de acreditar na verdade, em que se descobrem os segredos, em que você ignora as ordens para colocar em prática uma particularidade, é a hora de decidir: fugir ou rugir. Como se as luzes fossem suficientes para ofuscar os olhos e também para iluminar o caminho. Você está em cima do muro.
É dia de colher as notícias referentes ao pecado do dia anterior, da noite vívida, do fim de tarde emocionante e da manhã singela. Dia de se referir à você mesmo como apreciador de bons vinhos que não soube dizer à qual safra pertencia o qual usou para se embebedar ontem. No caso de uma droga nova surgir - seja pó, haxixe, cigarros, uma mulher -, você talvez se lembre que não possa sucumbir; e então, ceda.
É o momento de quebrar o acordo que vive dentro de você. Momento de tirar de dentro o que te mantém tão puro e virginal, é chegado o minuto em que tudo se resume à sensação cortante sugando suas energias e tomando sua atenção. É a decisão, de seguir em frente e suprir uma necessidade com sofrimento ou parar no tempo e não conseguir seguir mais.
É hora de decidir o que fazer com o demônio em si, deixar-se lamber a alma por algo almejado ou descartar o meio fácil para o sonho com um pontapé no problema que pode ser solução. Hora de tirar o casaco e ir à luta, com adaga e olhos fechados. Momento de tirar de si o esforço e, além de estampá-lo por sobre a mesa do jogo, remontá-lo com incrível destreza.
Chegou o que tanto se esperava. Chegaram as noites em claro com toque de tédio; chegaram as verdades não mais cuspidas e sim, sussurradas; chegaram os dias curtos com lembranças de poucos sonhos; chegou o momento. Logo chega o outro mês, e o outro, logo chega o outro ano e logo chega a lápide. Logo chegam as honras, a motivação falsa e o sacrilégio incompensável. Hoje é noite e dia, hoje é tudo que eu não queria.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

III

Surpreendentemente, dessa vez ela não chorou. Soube no exato momento que deixar escorrer a angústia seria o erro, e talvez esteja no caminho certo (conta sua mente) para o acordo entre a alma e o corpo. Só talvez.
Porém, não resta muita coisa de valor. Apenas algumas lembranças vazias de abraços vagos, remédios demais na caixinha do banheiro e lições aprendidas, além da vontade imensa do pecado. Essa energia louca que vem do nada e toma as ideias, jogando deveres no lixo e expulsando rancores recém-chegados na felizarda. São tardias, a cura e a consequência.
O fogo dançando por entre os atos, tão ardente e atraente. Ela cedeu, é verdade. Ela cederá novamente, é verdade. Mas hoje não. Além de ter seu tempo diminuído no último mês, encontrou um trago de vida na bituca da última droga que achou. E ela encontrou o amor, que queima mais rápido que papel por entre o cérebro e as ações.
Dessa vez, não sorriu, não viu motivo. Vê que, ao mesmo tempo em que se entrega à vida, perde o sabor de uma morte lenta e justa. Lhe parece até pecado tombar-se tanto na direção do ar, lembra-se dos tempos em que se desafiava à prender a respiração. De um rápido afogamento real na aula de natação do colégio particular. É sempre tão rápido.
E é claro, pode ser a garota do sorriso quebrado e constante, a menina dos olhos de chocolate e cabelo de criança; e se transformar tanto no outro segundo que as pequenas partes de todo seu corpo, perdem a forma. A sua modelagem inicial se torna perdida, mas logo a reencontra, quando busca força sozinha.
Estar sem recursos é ver que não há ninguém além de você para te salvar. É contribuir para sua derrota, ao mesmo tempo em que torce para a vitória; ter de usar o remédio e reinar em ti a dosagem do veneno; sorrir e comentar problemas rotineiros com a alegria de um adolescente ao mesmo tempo em que não tem aonde se agarrar dentro de si mesmo. Uma vez que você não existe mais, lá se foi mais uma chance de viver.
Passa-se à subsistência por meio de miséria de calor, de sabor. Na realidade, não tem tanto gosto assim, só distrai, mantém a luz do pisca alerta acesa, mesmo que o motor já tenha fundido. E, mais uma vez, ela maravilha mostrando a todos o quão diferente pode ser.
Noção de mudança todos têm. Ela tem necessidade, anseia por isso. Não como nas ânsias de retirar o que considera ruins - isso já é automático -, mas sim, como se fosse só preciso e presente. Mesmo que não a queira, ela estará lá. A sua doce verdade e sua drástica mudança.
Mesmo sendo dramático, é assim que é visto. Mesmo sendo complicado, é simples quando feito. Mesmo que tenha todos os recursos - coragem e tempo -, ela ainda encontrará maneira de fugir de si mesma. Foi sempre assim que lutou, contra o mundo e, primeiramente, contra si. Não é difícil depois de um tempo. Ela aprendeu a lidar com as guerras dentro de si mesma tão bem que hoje é uma das melhores pessoas a quem contatam quando precisam de tréguas consigo mesmos.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Iniciando junho

Posso dizer tantas coisas aqui, que fico atordoada de pensar no que eu realmente deveria colocar em palavras, o que tem de ser expulso de mim, jorrado pelo papel e em digitações rápidas.

Afirmo que as estações frias me fazem bem. Elas tornam todo o meio externo favorável ao meu meio interno. Ao meu ser. Quando eu tiro a blusa de frio no meio do vento, é porque eu preciso sentir. Eu sinto pulsando dentro de mim uma compatibilidade, e isso acontece quando tenho espamos e minhas extremidades ficam insensíveis e roxas, é tão, complementar. Age como um tradutor e une a calamidade fria de mim com o vento gélido soprando os fios de cabelo no rosto. É surreal.
Não sei se consegui mostrar meu ponto. De repente, você encontra algo que seja tão similar a você que faz a dor ir passear, faz com que tu se encontre no meio de uma multidão só porque lavou as mãos na água a cinco graus Celsius. E, no mesmo momento em que a água corta sua pele, incendeia algo muito grande em você. Essa compatibilidade coloca fogo no seu ser.
E bastou a faísca da estação para te colocar de volta em você mesma, veja bem, é só a mudança na posição do planeta que te fez ficar assim, radiante durante os dias em que o astro maior se recusa a aparecer durante um tempo. E, eu sinto. Começo finalmente a parar de fingir as emoções humanas e me mostro rica em expressões e palavras bonitas, porque durante o frio, é mais agradável, porque é mais agradável quando se sabe quem é.
Eu rio, eu como, eu beijo, acalento, abraço e aconselho. Me torno única durante esses meses, tornando-me ao mesmo tempo, incrivelmente mutável. Decido o que vou ser. Assim, uma vez encontrado o que tenho na realidade, encarando meus problemas em meio à gotas da garoa matinal, revejo os conceitos e mudo, transformo, agrego e desapego. Então, eu fico feiz não somente por me encontrar, mas por me recriar. Moldada, descontruída e refeita. Como eu disse, é surreal.
Por isso quando estou quieta, sozinha, não me deixe. Me dê atenção, provoque-me, irrite-me, faça algo. Nem sempre as minhas mudanças são boas, às vezes são só o desespero correndo entre meus atos, enquanto eu fico estática esperando passar, aproveitando a sensação térmica de poucos graus. Em algumas delas, sei de verdade o que estou fazendo, mas nunca sei diferenciar as duas situações. Só sei de uma coisa: o outono e o inverno estão comigo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

16

Não sei como as lágrimas ainda não possuíram meus olhos, mas vamos começar um resumo. Uma dissertação pessoal, sobre o que deixou e tornou a ser, sobre o que deixei e tornei a ser. Talvez assim elas libertem isso que está engasgado em mim, ou talvez o nó seja só porque eu fiz coisas erradas.
Me lembro pouco do meu último aniversário. As coisas foram surgindo, logo no domingo de manhã, e acabaram como sempre: com choro, angústia jorrada pelos olhos. Juro que não sei explicar como isso acontece comigo, como as coisas ruins são atraídas pra mim nesse dia. No mês seguinte, eu estava nove quilos mais magra e cinquenta por cento mais infeliz; a minha única alegria era subir na balança e ver números diminuindo. Passei o maior tempo sem comer que já consegui, e depois de uma viagem, recuperei tudo que perdi. Foi um dos maiores desgostos da minha vida.
Quando eu retornei da viagem, caos e brigas e choro. Isso é tão presente na minha vida que, se não acontece, estranho. Os meses de agosto, setembro, outubro e novembro foram apagados da minha memória, eu não lembro de absolutamente nada sobre eles. Só alguma coisa vaga sobre remédios para emagrecer, nada além disso.
Apenas uma coisa além. O palco, a voz forte, a expressão desesperada. 'And so i wake up in the morning and i step and i take a deep beathe'. Tudo que eu lembro é de gritar o mais alto que eu podia, e ninguém me ouvir. Ninguém compreender, todos apenas dizerem que foi ótimo, e até convite de banda eu receber. E essa coisa entalada na minha garganta.
Dezembro, festas. Um casamento horrível, onde não houve nada que me animasse. Um natal lamentável, onde passei grande parte do tempo calculando quanto tempo demoraria pra eu melhorar. E, ano novo vergonhoso. Nunca tinha me sentido tão objeto na minha vida. Janeiro foi marcante, eu estive no alto e no baixo. Reencontrei pessoas, chorei muito e me despedi de uma das coisas que me moviam. E então vieram as aulas.
No começo estava tudo, normal. Eu estava diferente, tudo estava diferente. Mas, chegaram as notas. Voltou o choro, voltou a fome, voltou a desgraça. Voltou o descaso.
Isso é reflexo de tudo que acontece comigo, absolutamente tudo. Tudo vai virando uma coisa feliz e basta um gesto para que meu mundo desmorone. E quando ele desmorona, ou me leva junto ou eu o acompanho, por ser tão solitário; sou altruísta e vejo nisso, ajuda.
Passou fevereiro, março. Em abril eu vivi, gritei, pulei, tomei chuva, louvei ao rei das trevas. E nesse tempo, eu já estava bem de novo, digo, comendo. Passou-se maio e quando chega junho eu perco tudo.
É quase como um recomeço forçado. Não há nada que se estabeleça firme durante junho, nada que se mantenha ativo, forte. Em junho eu sou papel, que amassa, estraga e se molhar, já era. Sou frágil a esse ponto. Fraca ao ponto de recorrer à esses métodos, à destruir meus dentes, meu estômago, meu fígado e meu coração, só porque estou confusa. Sempre tento não me confundir nesse meio tempo, nesse mês perigoso; não consegui nenhuma vez.
Creio que no final eu só não consigo mais. Colocar um sorriso sincero no rosto e continuar mesmo com as cicatrizes me atormentando, tem se tornado cada vez mais difícil. Tenho minhas distrações, tenho minha vida social, mas tudo é vago. Tem sempre o espaço dos meses no calendário, o espaço da refeição do dia anterior, o espaço de tempo que eu tenho até meus parentes chegarem e eu conseguir vomitar isso aqui, o espaço dentro de mim.
Não sei explicar isso. Eu tenho conseguido explicar poucas coisas, digo, poucas mesmo. Meus problemas de concentração estão cada vez piores, minha motivação indo pro lixo, meu corpo devorando a si mesmo e eu aqui, perdida dentro de mim.
Simplesmente não consigo mais me encontrar. Tem sido árduo até visar algo pelo qual respirar, pelo qual sofrer e amar. Tudo que eu quero está tão perto e tão longe. São tantos paradoxos, que eu não me acho com, entre ou neles. Eu simplesmente não me acho.